“Em 1854, Denizard Hippolyte ouve falar pela primeira vez das ‘mesas girantes’, através do Sr. Fortier, magnetizador, com o qual entrara em relações para os seus estudos sobre o Magnetismo.
O Sr. Fortier diz-lhe um dia:
‘Eis uma coisa mais do que extraordinária: não somente magnetizam uma mesa, fazendo-a girar, mas também a fazem falar; perguntam coisas e ela responde’.
Denizar Hippolyte replica:
‘Isto é outra questão: acreditarei quando puder ver com os meus próprios olhos e quando me provarem que uma mesa tem um cérebro para pensar, nervos para sentir e que pode tornar-se sonâmbula.Por enquanto, seja-se permitido dizer que tudo isso me parece um conto para fazer dormir em pé’.
Assim começava a vida espírita do discípulo de Pestalozzi: pela mais absoluta descrença! Tal era a princípio o estado de ânimo do futuro Codificador do Espiritismo, não negando coisa nenhuma por parti pris, mas pedindo provas e querendo ver o observar para crer.
No ano seguinte – era começo de 1855 – Rivail encontrou-se com o Sr. Carlotti, seu amigo há vinte e cinco anos, que discorreu acerca de fenômenos espíritas durante mais de uma hora. O Sr. Carlotti era corso, de uma natureza ardente e enérgica. Afirma Rivail sobre o seu amigo: ‘Eu tinha sempre distinguido nele as qualidades que caracterizam uma grande e bela alma, mas desconfiava de sua exaltação. Ele foi o primeiro a falar-me da intervenção dos Espíritos, e contou-me tantas coisas surpreendentes que, longe de me convencer, aumentou minhas dúvidas. “Você um dia será um dos nossos” – disse-me ele. “Não digo que não” – respondi-lhe – “Veremos isso mais tarde”.
Pelo mês de maio de 1855, Rivail visitava a casa da sonâmbula Sra. Roger. Lá encontrou o Sr. Patier e a Sra. Plainemaison, que lhe falaram desses fenômenos no mesmo sentido que o Sr. Carlotti. O Sr. Patier era funcionário público, de uma certa idade, homem muito instruído, de um caráter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada, isenta de todo entusiasmo, produziu em RIvail uma viva impressão; e quando ele lhe fez oferecimento para que assistisse às experiências que tinham lugar em casa da Sra. Plainemaison, na rua Grange-Batelière, nº 18, aceitou prontamente. A sessão foi marcada para a terça-feira (esta data ficou em branco no manuscrito de Allan Kardec) de maio, às 20 horas.
‘Foi aí – informa Rivail – pela primeira vez que fui testemunha do fenômeno das mesas girantes, que saltavam e corriam, e isso em condições tais que a dúvida não era possível.
‘Aí vi, também, alguns ensaios muito imperfeitos de escrita mediúnica em uma ardósia com o auxílio de uma cesta. As minhas idéias estavam longe de se haver modificado, mas naquilo havia um fato que deveria ter uma causa. Entrevi, sob essas aparentes futilidades e a espécie de divertimento que com esses fenômenos se fazia, alguma coisa de sério e como a revelação de uma nova lei, que a mim mesmo prometi aprofundar.
‘A ocasião se ofereceu antes de observar mais atentamente do que tinha podido fazer. Em um dos serões na casa da Sra. Plainemaison fiz conhecimento com a família Boudin, que morava, então, na rua Rochehouart. O Sr. Boudin me fez oferecimento no sentido de assistir às sessões hebdomadárias que se efetuavam em sua casa, e às quais eu fui, desde esse momento, muito assíduo’.
Foi aí que Rivail fez os primeiros estudos sérios de Espiritismo, aplicando a essa nova ciência, como até então o tinha feito, o método da experimentação. Jamais formulou teorias preconcebidas: observava atentamente, comparar, deduzia as conseqüências; dos efeitos procurava remontar às causas, pela dedução, não admitindo como válida uma explicação senão quando ela podia resolver todas as dificuldades da questão. Foi assim que procedeu sempre em seus trabalhos anteriores. rivail compreendeu, desde o princípio, a gravidade do trabalho que iria empreender. Entreviu, nesses fenômenos, a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro, a solução que havia procurado toda a sua a sua vida; era, em uma palavra, uma completa revolução nas idéias e nas crenças; preciso, portanto, se fazia, agir com circunspecção e não levianamente; ser positivista e não idealista, para se não deixar arrastar pelas ilusões.
Um dos primeiros resultados das observações de Rivail foi que os Espíritos outra coisa não são senão as almas dos homens, não tinham nem a soberana sabedoria, nem a soberana ciência; que seu saber era limitado ao grau de seu adiantamento, e que sua opinião não tinha senão o valor de uma opinião pessoal. Esta verdade, reconhecida desde o começo, evitou-lhe o grave escolho de crer na sua infalibilidade e lhe preservou de formular teorias prematuras sobre o dizer de um só ou de alguns.
Só o fato da comunicação com os Espíritos, o que quer que eles pudessem dizer, provava a existência de um mundo invisível ambiente: já era um ponto capital, um imenso campo franqueado às investgações, a chave de uma multidão de fenômenos inexplicados. O segundo ponto, não menos importante, era conhecer o estado deste mundo, seus costumes, etc. Cedo, Rivail percebeu que cada Espírito, em razão de sua posição pessoal e de seus conhecimentos, lhe desvendava, apenas, uma fase do plano onde se encontrava, exatamente como se chega, como um todo, à situação de um país, interrogando-se os seus habitantes, pertencentes a todas as classes e de todas as condições, podendo cada um nos ensinar alguma coisa, e nenhum deles podendo, individualmente, nos ensinar tudo. Cumpre ao observador formar o conjunto, com o auxílio dos depoimentos colhidos de diferentes lados, colecionados, coordenados e confrontados entre si. Rivail, pois, agiu para com os Espíritos como o teria feito com os homens; eles foram para ele, desde o menor até o mais elevado, meios de colher informações e não “reveladores predestinados”.
A estas informações pinçadas em “Obras Póstumas” (publicado 22 anos depois do lançamento de “A Gênese”, em 1868, o livro apresenta vários trabalhos de Allan Kardec que nunca haviam aparecido em livro. Este livro representa o testamento doutrinário do Codificador do Espiritismo), convém acrescentar que, a príncípio, Rivail, longe de ser entusiasta dessas manifestações, e absorvido por suas próprias preocupações, esteve a ponto de as abandonar, o que talvez tivesse feito, se não fossem as insistentes solicitações dos Srs. Carlotti, René Tailander, membro da Academia de Ciências, Thiedeman-Manthèse, Victorien Sardou, pai e filho, e Pierre-Paul Didier, livreiro-editor, que acompanhavam, havia cinco anos, o estudo desses fenômenos e tinham reunido cinqüenta cadernos de comunicações diversas, que eles não conseguiam pôr em ordem.
Conhecendo as vastas e raras aptidões de síntese de Rivail, esses pesquisadores lhe enviaram os cadernos, pedindo-lhe que deles tomasse conhecimento e os pusesse em termos. Este trabalho era árduo e exigia muito tempo, em virtude das lacunas e obscuridades dessas comunicações. O sábio enciclopedista lançou-se à obra; tomou os cadernos, anotou-os com cuidado, após atenta e circunspecta leitura; suprimiu as repetições e pôs, na respectiva ordem, cada ditado, cada relatório de sessão; assinalou as lacunas a preencher, as obscuridades a aclarar, e preparou as perguntas necessárias para chegar a esse resultado.
“Até então – diz ele próprio – as sessões em casa do Sr. Boudin não tinham nenhum fim determinado; propus-me a fazer resolver os problemas que me interessavam sob o ponto de vista da Filosofia, da Psicologia e da natureza do Mundo Invisível. Comparecia a cada sessão com uma série de questões preparadas e metodicamente dispostas; eram respondidas com precisão, profundeza e de um modo lógico. Desde esse momento, a reuniões tiveram um caráter muito diferente; entre os assistentes encontravam-se pessoas sérias que tomaram por isso um vivo interesse. A princípio eu não tinha em vista senão minha própria instrução; mais tarde, quando vi que tudo isso formava um conjunto e tomava as proporções de uma doutrina, tive o pensamento de o publicar para instrução de todos. Foram essas questões que, sucessivamente desenvolvidas e completadas, fizeram a base de O Livro dos Espíritos”.
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Origem do nome Allan Kardec
Em “Vida e Obra de Allan Kardec” – ver mais informações na íntegra do “Curso Regular de Espiritismo”, disponível na livraria do Instituto de Cultura Espírita Carlos Bernardo Loureiro -, André Moreil afirma que, certa noite, Zéfiro, Espírito protetor de Denizard Hippolyte Léon Rivail, informou havê-lo conhecido numa existência anterior, quando, na época dos druidas, viveram nas Gálias. Disse-lhe que o seu nome era, então, Allan Kardec. “A partir desse momento – comenta Moreil – Denizard Rivail já não existe”.
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Os druidas eram sacerdotes celtas. Os celtas, povos antiquíssimos, de origem indo-germânica, empreenderam grandes migrações desde os tempos pré-históricos, percorrendo toda a Europa, desde as Ilhas Britânicas até a Ásia Menor. Mas, por volta do ano 250 antes do Cristo, quando atingiram o clímax do seu poder, estavam fixados principalmente nas Gálias.
Embora sua linguagem e os fundamentos de sua cultura já estivessem estruturados desde sete séculos antes da nossa era, jamais se organizaram politicamente sob qualquer forma de governo. Apenas uma poderosa e mística força os unia à casta sacerdotal, que mantinha íntegros os preceitos religiosos e as raríssimas tradições do mundo celta. Esses sacerdotes eram os druidas, reverenciados pelas tribos onde quer que fossem. Dedicavam-se à Teologia, à Filosofia, à Magistratura. Conduziam todo um povo, cujas crenças se fundamentavam na imortalidade da alma e na reencarnação, além de admitir, serenamente, a comunicabilidade com os Espíritos.
A revista “Reformador” reproduziu, em francês, a carta que Denizard Hippolyte Léon Rivail escreveu ao Sr. Thiedman-Manthèse, em 27 de outubro de 1857, relativamente ao pseudônimo que adotara: “Duas palavras ainda a propósito do pseudônimo. Direi, primeiramente, que neste assunto lancei mão de um artifício, uma vez que, dentre 100 escritores, há sempre os 3/4 que ão conhecidos por seus nomes verdadeiros, com a só diferença de que a maior parte toma apelidos de pura fantasia, enquanto que o pseudônimo Allan Kardec guarda uma certa significação, podendo eu reivindicá-lo como o próprio em nome da Doutrina Espírita”.
O certo é que, ao adotar o pseudônimo Allan Kardec, o professor Rivail deu valioso testemunho, não somente de fé, mas, igualmente, de humildade, pois seu nome civil era dos mais ilustres da França. Ele descendia de antiga e tradicional família, cujos membros brilharam na Advocacia e na Magistratura.
Denizard Rivail foi um dos mais destacados discípulos de Pestalozzi e, depois, conselheiro influente nas reformas do ensino levadas a efeito na França e na Alemanha. Poliglota, dominava, além do francês, o alemão, o inglês, o latim e o grego. Verteu, para o alemão, obras importantes, como as de Fénelon (François de Salignac de la Mothe, nascido em 1651 e desencarnado em 1715),k destacando-se “Telêmaco”, epopéia romanesca em prosa, inspirada na “Odisséia”, de Homero.
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Quem quiser conhecer mais sobre Allan Kardec e o Espiritismo, pode procurar a nossa livraria. Os textos acima estão presentes no “Curso Regular de Espiritismo”, material do pesquisador Carlos Bernardo Loureiro.